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Mini curso deleuze, cinema - Aula com Bruno Cava

Rua Aarão Reis, 542 - centro, 30120-000 Belo Horizonte

Teatro Espanca!

CUSTO Taxa de inscrição de R$ 15,00 (sympla)

Dia 19 de agosto - 15:00 às 19:00


Os conceitos de movimento, tempo e metamorfose podem ser remontados à filosofia grega, antiga e pré-socrática, que culminaram na revolução científica do século 17, encabeçada por Galileu e Newton. 

Bem no limiar do século 20, outro pensamento abriu caminho na mata dos conceitos de movimento tempo e metamorfose a partir de referências periféricas (os estoicos, Spinoza, Nietzsche), principalmente através da obra de Henri Bergson (1859-1941), o filósofo da duração, do elã vital, da memória como imbricação de temporalidades. Mais tarde, Gilles Deleuze (1925-95) subiu nos ombros de Bergson para elaborar uma das filosofias mais instigantes e penetrantes que contraefetuam o nosso presente, que fazem a sua clínica desejante. Em seus dois livros escritos a partir de grandes filmes e cineastas, Deleuze redescobre o conceito bergsoniano de imagem-movimento, para deslocar os problemas do tempo. Esses não foram estudos sobre a história do cinema nem um tratado de teoria fílmica. Deleuze também não escreveu livros de filosofia sobre o cinema, nem de cinema sobre a filosofia, na medida em que não se trata de aplicar um campo no outro como se fossem duas disciplinas que pudessem se beneficiar de alguma comparação ou contribuição. "Imagem-movimento" (1983) e "Imagem-tempo" (1985) concertam, em vez disso, um esforço filosófico em colocar grandes filmes e cineastas em interferência com o pensamento tout court, sem recorte disciplinar, com vistas a gerar um devir-filosófico do cinema e, concomitantemente, um devir-cineasta do filósofo. E o devir, na obra de Deleuze (e Guattari), é real. Esses dois livros que formam uma unidade viva põem imediatamente em xeque as concepções do cinema como reprodução do real (fenomenologias, Husserl, cognitivismos), como construtivismo da linguagem (escola soviética), como representação de um tempo a ser criticada -- ora pelo viés da denúncia da ideologia que desentranha elementos realistas (Cahiers clássicos, escolas críticas e marxistas), ora da justaposição de culturas com normatividades próprias (cultural studies) -- como uma esfera artística ou cultural autônoma (culturalismos). Tracionando o Bergson de "Matéria e memória" (1896), o comentário criativo que Deleuze suscita a partir de 800 filmes e mais de 100 cineastas, desde o surgimento do cinematógrafo até a década de 1980, elabora uma genealogia de problemas que perpassam a ontologia, a ética e a política, como uma bomba cluster lançada para atingir múltiplos alvos ainda que dispersos. O cinema não repete apenas a mais velha ilusão, de que os eleatas falavam há 2.500 anos, que é reconstituir o movimento por meio de paradas, as transformações de estações, o contínuo da linha a partir de pontos descontínuos, e a própria percepção a partir da fixação das imagens. Ao internalizar o falso movimento da imagem no aparelho, o cinematógrafo realiza por meios falsos a própria modulação do real. Trata-se de uma consciência verdadeira apesar do falso movimento que a anima. Com o desenvolvimento da técnica e das escolas de cinema (griffithiana, soviética, francesa clássica, expressionista, novas ondas etc), o espetáculo de suas operações é apefeiçoado de maneira que, paulatinamente, a imagem escapa da órbita de um centro sensório-motor (imagem-movimento) em que vinha indexada, para disseminar-se qual pássaro livre por vastos sistemas acentrados e "fora de campo" (imagem-tempo). O efeito é ético e propicia não somente a consciência coextensiva com o movimento e com o tempo de que a imagem participa, como também o alargamento e o aprofundamento do campo da experiência. O superávit dessa subida às condições do real, imanência finalmente conquistada na imagem-tempo, embute uma imediata produtividade política. Não à toa, Deleuze diagnostique o grande impasse de nossa época como sendo a crise da imagem-ação, a perda do vínculo com este mundo, a incapacidade de fazer um corpo maquínico à altura dos Controlatos, dada a virada às sociedades de controle e ao capitalismo do Dividual. A fim de desdobrar essa cineose de imagem, tempo e movimento, no complexo de problemas que nos interpelam, Deleuze se apoia na semiótica pragmatista de Charles S. Peirce, mediante um esquema trinitário que se multiplica ao longo dos livros: quadro (espaço), encenação (movimento) e montagem (tempo); imagem fixa (fotograma), imagem-movimento (cinema clássico) e imagem indireta do tempo (cinema moderno); percepção subjetiva, percepção objetiva e devir imperceptível (movimento ontológico); visão, visível e invisível (claridade enquanto tal, white out); fotografia, cinema, Ideia do cinema etc. Menos que uma classificação exaustiva, e mais do que uma hierarquia de valores voltada a julgar a imagem (ou os filmes), Deleuze explora a tríade peirciana como uma conjunção tripla e não exclusão entre si, ou seja, como uma tripla implicação dos signos cinematográficos, um perpétuo campo de interação e interpenetração que solicita ser analisado com precisão e espírito de finura. A cineose bergsoniana-deleuziana desabrocha, então, uma multiplicidade de multiplicidades, a operação conjugada de regimes de signos ou tipos de imagem cuja mobilização por filmes e cineastas engendra mundo inteiros perceptivos, afetivos e ativos. Mais do que uma diversidade de olhar, são corpos todos eles, em distintos regimes de funcionamentos, entre o cinema humano (Apolo) e um cinema protocósmico (Dioniso, para além do humano) que essa filosofia engrena como uma maquinaria infernal ressoando com outros autores, teorias e sistemas de pensamento. O resultado é um conjunto vigoroso de ferramentas analíticas e molas para a prática, tudo para afirmar o cinema, a filosofia e a própria vida na sua contínua agitação, em sua energia criadora.

Organização: Teatro Espanca, Renata Oliveira, Renata Pelegrini e Mil Brechas.
Designer: Renata Crisóstomo

Foto: Divulgação


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