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Coluna Palavra Livre com mestre Bosi

A Coluna de Marcos Fabrício, em agradecimento à contribuição reflexiva e sensível de Alfredo Bosi

Em agradecimento à contribuição reflexiva e sensível do grande pensador de nossas letras, Alfredo Bosi (1936-2021), tentaremos neste artigo apresentar e comentar argumentos da lavra do mestre e de seu legado. Como intérprete do Brasil, sua grande obra de fôlego, intitulada Dialética da Colonização (1992), apresenta referenciais importantes quando o tema é discutir os pilares da identidade brasileira. Articulando conceitualmente o que se entende por colonização, culto e cultura, a partir da raiz verbal comum, Bosi propõe fecundo estudo cuja amplitude se dá, por exemplo, de Anchieta à indústria cultural, com desdobramentos decisivos na história do pensamento nacional:

“Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional (e principalmente nas universidades). E, por outro lado, uma cultura popular, basicamente iletrada, que corresponde aos mores materiais e simbólicos do homem rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna. A essas duas faixas extremas bem marcadas (no limite: Academia e Folclore) poderíamos acrescentar outras duas que o desenvolvimento da sociedade urbano-capitalista foi alargando.

A cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da Universidade, e que, agrupados ou não, formariam, para quem olha de fora, um sistema cultural alto, independentemente dos motivos ideológicos particulares que animam este ou aquele escritor, este ou aquele artista. Enfim, a cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo”.

Mesmo considerando a existência de tais categorias, prudente foi o crítico literário ao sublinhar esta advertência: “É claro que esse esquema espacial de fora e dentro deve ser relativizado, pois enrijece o termo instituição, definindo-o sempre em termos de organização própria das classes dominantes”. Propondo uma leitura humanista da travessia brasileira, a partir de um exame relativizado dos acontecimentos agudos e sutis, Bosi sugere o seguinte mapa conceitual: ao colonizador coube os marcos da conquista, da ocupação e da exploração de novas terras, exercendo domínio sobre a população nativa ali residente.

Desta relação despontou o culto compartilhado entre vencedores e vencidos em memória e celebração dos deuses e dos antepassados. Já a dimensão cultural, por sua vez, atende não só à composição da herança de valores que se projetam no andamento da engrenagem coletiva, mas também se refere à busca de um convívio mais humano. O eminente professor nota como dialético o processo de formação brasileira que experimenta frequentemente “um encontro tenso de espelhamentos e resistências, transparências e opacidades”.

Por isso, a citada obra encontra assento na concepção de cultura plural, o que leva Bosi a defender a expressão “culturas brasileiras” como sendo a mais adequada para compreender nossa dinâmica de funcionamento marcada por ajustes, harmonizações, conflitos e desajustes. A coexistência de contrários no seio social pode ser demonstrada, por exemplo, na composição religiosa que, segundo Bosi, consegue ostentar ouro e pregar simplicidade (estilo meio barroco, meio mercantil).

O imortal da Academia Brasileira de Letras e professor da Universidade de São Paulo (USP) foi autor de obras muito relevantes no contexto dos estudos literários. O arrojo panorâmico e a versatilidade didática de História Concisa da Literatura Brasileira (1970) são admiráveis, incluindo também a louvável competência do autor no empenho laboral de suas ofertas interpretativas, operando habilmente com as nuances demandadas pelos tempos literários e históricos da tradição e da modernidade: “O problema das origens da nossa literatura não pode formular-se em termos de Europa, onde foi a maturação das grandes nações modernas que condicionou toda a história cultural, mas nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto é, a partir da afirmação de um complexo colonial de vida e pensamento”.

Alfredo Bosi se fez também atuante nos estudos caros à relação entre o discurso da história literária e o da historiografia tomada na sua acepção ampla, que engloba a história social, a história econômica e a história política. Em O Ser e o Tempo da Poesia (1977), o crítico literário buscou analisar o poema em sua natureza formal e em seu papel ideológico. A conclusão é de que se trata de um gênero que não deveria privilegiar nem o tecnicismo (a arte pela arte), nem o sectarismo político (o engajamento), tampouco o mercado (vale dizer, o consumismo). “A poesia traz, sob as espécies da figura e do som, aquela realidade pela qual, ou contra a qual, vale a pena lutar”, escreveu o professor.

Está aqui implícita uma crença no poder da palavra poética, que de algum modo remete ao poder do verbo, em si, de fazer com que o real se apresente ao homem. Para Bosi, a poesia consegue trazer ao homem contemporâneo a realidade pela qual, ou contra a qual, vale a pena lutar: “a poesia exprime a subjetividade mais radical do ser humano. Mas, além dessa característica existencial, fundamental, a poesia terá também, ou poderá ter, o papel de contradizer a generalidade abusiva das ideologias, em especial das ideologias dominantes. Por quê? Porque as ideologias, em geral, racionalizam e justificam o poder”. Com elegância argumentativa exemplar, Bosi compôs um grande capítulo da ciência no Brasil, sabendo reconhecer o caráter singular e resistente da arte literária.

Foto: Arquivo Pessoal

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