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Quebrando tabus, poeta Bruna Kalil Othero lança “Anticorpo”, seu segundo livro

Novos poemas da jovem escritora mineira têm a sexualidade como eixo temático, em obra que aposta na poesia como um “anticorpo” para tempos cada vez mais violentos.

A literatura sempre esteve presente na vida da poeta Bruna Kalil Othero. Da infância, a autora recorda os primeiros contatos com a escrita e a leitura, além de um imaginário povoado por feiras literárias em Belo Horizonte, sua cidade natal. Aos 21 anos, a escritora lança seu segundo livro, “Anticorpo”, no próximo dia 7 de novembro (terça-feira), às 19h, no Sesc Palladium, no Centro de BH. A publicação é da editora Letramento.

A autora também convida para a mesa redonda “Escrever poesia hoje”, lançamento e bate- papo com a poeta Thais Guimarães na quinta, dia 9 de novembro, às 19h30, no MM Gerdau - Museu das Minas e do Metal, na Praça da Liberdade. Sobre “Anticorpo”, Thais escreve: “A poesia direta de Bruna entrega um texto sem véus, consonante com o olhar do presente, de um mundo que se despedaça e cujos fragmentos remontam o corpo desnudado, nas duas partes que compõem o livro, cindido da ‘cintura para cima’ e da ‘cintura para baixo’”.

A obra tem a sexualidade como tema principal, reunindo poemas que discorrem versos sobre imagem, representação, desejo, política, auto-estima, educação e violência. Os poemas reunidos em “Anticorpo” refletem sobre o próprio ato da escrita, o corpo do texto, num período da sociedade em que as palavras estão cada vez mais em disputa. E também reivindicam que as poéticas da mulher sejam efetivamente reconhecidas na literatura.

Se na infância e na adolescência, nomes como Adélia Prado, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Pedro Bandeira foram influências de Bruna, em “Anticorpo” é Hilda Hilst quem a jovem poeta tem como sua principal referência criativa. Em sua época, Hilda quebrou tabus, reivindicou o espaço da mulher na literatura brasileira e defendeu uma arte que muitas pessoas até hoje veem negativamente como pornográfica.

Mesmo décadas depois, Bruna acredita que falta muito para que os espaços na literatura estejam ocupados de forma democrática. Para a autora mineira, ainda há na literatura uma cultura machista muito forte, que determina quais temas podem ou não podem ser abordados por escritoras mulheres em suas obras. “Anticorpo” surge justamente como uma resposta a esse pensamento conservador, crescente no país e nas artes hoje.

As múltiplas imagens que o pensamento sobre um “corpo político” evocam em nossa mente, atravessam os versos de “Anticorpo”, evidenciando a função política do trabalho, num período de retorno do conservadorismo em nossa sociedade. A conscientização sobre o sexo é fundamental para que sua prática não se torne um trauma, uma violência. É preciso falar e saber de sua existência, em vez de tratá-la como algo a ser escondido.

Além disso, qual relação temos com nosso corpo? Que corpo é esse? Com quais corpos precisamos lidar diariamente? Perguntas que são pontos de partida para leitoras e leitores da obra, e nos colocam diante de um espelho nem sempre cristalino, presente como metáfora em cada poema do livro.

Em sua primeira publicação, “Poétiquase” (2015), Bruna falava de uma lírica instantânea, de um presente marcado pela internet e por suas tecnologias, e as reflexões sobre a escrita e a literatura contemporânea continuam presentes na obra da escritora. A poeta defende a importância do diálogo entre os cânones da literatura e as novas gerações, mas reconhece que grande parte da crítica e das premiações literárias, além de muitos escritores, estão presos a formatações do passado.

Para a autora, é preciso que nos atentemos à poesia que está além das premiações: a poesia urbana, a poesia de mulheres, o pixo, a literatura que ganha novas plataformas. E destaca a poeta Nívea Sabino como outra referência importante na cena literária de BH atualmente. “Anticorpo” é mais uma dessas ações na contramão de uma cultura hegemônica. Para Bruna, este é um livro que busca sobretudo tecer um diálogo político, a partir de uma escrita íntima.

SOBRE BRUNA KALIL OTHERO

“Para escrever um poema, é preciso amar escrever um poema”. Essa é uma das frases que acompanham a escritora Bruna Kalil Othero em sua trajetória. Escrever é um ato político e um dos desafios da poeta hoje é acionar, em sua obra, o que há de universal dentro do particular, desenvolvendo uma escrita que parte do íntimo, mas que também é política.

A autora, que conclui a graduação em Letras na UFMG no final de 2017 e já se prepara para o mestrado, acredita que a pesquisa na universidade e os estudos sobre a linguagem e a literatura transformaram sua escrita. Se, para muitas pessoas, o estudo teórico pode acabar limitando a criação artística, para a jovem o encontro entre teoria e prática provocou uma revolução em seu trabalho.

Com a criação literária presente em sua trajetória desde a infância, Bruna é autora de "Poétiquase" (Letramento, 2015) e “Anticorpo” (Letramento, 2017). Além de pesquisar o lugar da mulher na literatura brasileira, a poeta organiza eventos literários em BH, como o "Sarau Libertário", que ocorre a cada dois meses no MM Gerdau - Museu das Minas e do Metal. Venceu o prêmio da Academia volta-redondense de Letras com o poema "Memória estéril", e o Prêmio Personalidade do Ano 2017 pela Academia Mineira de Belas Artes.

“ANTICORPO” POR THAIS GUIMARÃES

Bruna, em seu livro de estreia, Poétiquase, assume no poema Catarse da Sobrevivência a máxima poundiana da artista como antena da raça. De modo que trazer a materialidade do “corpo” neste seu segundo livro, com a sexualidade nomeada, vai além de uma atitude que revisita temáticas consideradas “malditas”. É antes um posicionamento, pela via da poesia, que capta questões emergentes e ainda cercadas por interditos.

A poeta provoca e conduz o leitor por uma semântica explícita, mas o faz trazendo a experiência física do corpo como força atuante no organismo da escrita. A própria poesia é o anticorpo, que escapa das convenções e encara o que se apresenta, muitas vezes, como algo incômodo.

Tratando de temas como gozo, menstruação, masturbação, desejo, fetiche e sexo explícito, a poesia de Bruna constrói o espaço de um corpus poético específico, costurando o limiar entre o erótico e o obsceno, o feminino e o masculino, ao mesmo tempo em que se confirma como resistência à opressão. E nesse movimento, a poeta tira tudo: a segunda pele. Grilhões. Para ela, um corpo/ se escreve/ por debaixo/ da pele.

A poesia direta de Bruna entrega um texto sem véus, consonante com o olhar do presente, de um mundo que se despedaça e cujos fragmentos remontam o corpo desnudado, nas duas partes que compõem o livro, cindido da “cintura para cima” e da “cintura para baixo”.

Nos tempos obscuros em que vivemos, podemos atualizar a afirmativa de Henry Miller: “falar de obscenidade é quase tão difícil quanto falar de Deus”. Mas, afinal, “o que é obsceno?” Essa questão, na voz de Hilda Hilst (forte influência na poética de Bruna) se coloca em termos amplos: “obsceno é a miséria, a fome, a crueldade, nossa época é obscena”.

Paralelo inequívoco com o nosso tempo, ANTICORPO transita por uma imagética forte, com poemas que rasgam camisas de força. A linguagem de Bruna não é dócil e nem rasteira. Com audácia, percorre a metáfora do corpo sem medo de arriscar. E, sob o signo da ironia, esta jovem poeta coloca “à disposição do leitor” um corpo assenhorado de si, para ser olhado/lido em sua multiplicidade e fragmentação. Um corpo que se move na contemporaneidade e se reafirma pela linguagem poética.

Foto: Ana Drawin

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