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Literatura para todos

Gratuita, revista literária editada pela Edições Chão da Feira, tem tiragem de 2 mil exemplares distribuídos sem custos desde o primeiro número. Publicação chega à terceira edição com textos em prosa e verso sobre a Infância

“A literatura, inserida no círculo das trocas, é simultaneamente uma das linhas de fuga que o interrompe. As palavras não são instrumentos, não têm proprietário, não prestam contas. Essa insubordinação é a sua mais generosa afirmação: o exercício da palavra é o desejo da partilha desmedida, e dá-se com solicitação de resposta, mas sem valor de troca. Isso significa que os seus efeitos são incalculáveis. A Gratuita decide relançar esse desejo: a literatura como dádiva improvável que se inscreve na incessante reinvenção do comum”.

O trecho acima, parte do manifesto da Revista Gratuita, foi publicado na primeira edição da obra, em 2011. Ele representa o espírito da Edições Chão da Feira, responsável por editar a publicação literária temática que reúne textos em prosa e verso em edição física e virtual. 
O batismo da revista se dá por seu caráter de distribuição, mas especialmente por ser nome de uma personagem de Maria Gabriela Llansol que, para as autoras, condensa a imagem da literatura perseguida por elas, que é a literatura como algo impossível de ser calculada monetariamente.

O volume 3 da Gratuita, recentemente lançado em Belo Horizonte e em São Paulo, traz uma  espécie de inventário sobre a infância. Com tiragem de 2 mil exemplares, ela segue seu percurso pós-lançamento, distribuindo as publicações pelo site da editora (www.chaodafeira.com). Os interessados podem requerer a revista pelo endereço eletrônico e pagam somente o valor do frete dos correios.

A premissa da publicação, desde sua primeira edição, é tratar um tema nas suas variações (como experiência íntima, como memória coletiva etc). No último número, a escolha foi reunir 39 textos em prosa e verso, nos quais a infância é o enigma do qual se parte e que segue caminhos distintos, próprios de cada autor. A proposta é que, tanto os textos dos autores convidados quanto os textos selecionados pelas editoras (de autores falecidos ou aqueles traduzidos para o português) sejam amparados de forma aberta por este tema comum.

Assim, a edição traz à tona textos que evocam a infância em distintos aspectos: em alguns textos o leitor é convocado a passear pela memória de alguém, em outros é pensada a relação entre linguagem e infância. Há, ainda, aqueles que dissolvem ou reinventam a fronteira entre infância e maturidade. Em diversos textos, é nítido que sentimentos muito contrastantes convivem sem exclusão na infância – nostalgia, alegria, curiosidade, tédio, abandono, tristeza, violência e beleza: tudo isto é simultâneo e intenso.

Além do número impresso da Revista, há a possibilidade de baixar a publicação pelo mesmo site, que disponibiliza também alguns trechos em áudio lidos por convidados ou mesmo pelos próprios autores. A edição conta, também, com o seu desdobramento, denominado Caderno de Leituras, que continuará a publicar ensaios inéditos ou de rara circulação sobre a temática da infância. É possível acessar a primeira e a segunda edição, cujos temas são Cartas e Atlas, respectivamente.

 A Infância não é uma fase, a infância é

“Para este volume imaginávamos textos de memórias, fábulas, jogos, mitos, contos, medos, fragmentos desta espécie de cosmologia misteriosa a que chamamos infância. A proposta é que os textos nos ajudem a pensar para lá da infância domesticada como uma fase do desenvolvimento da pessoa ou como um estado imaturo”. Assim Maria Carolina Fenati, organizadora da publicação, descreve a temática da terceira edição da Gratuita.

O primeiro texto da revista é “Dois abismos", de Marcílio França Castro, no qual o narrador persegue uma criança, acompanhando com a língua a velocidade do seu deslocamento (a modulação da língua acompanha a agilidade da criança). Se a criança corre em direção ao seu futuro, ela mira também a intimidade de quem escreve ou lê, lugar onde talvez sobreviva justamente uma criança.

Já os três textos zapatistas reforçam a alegria como força revolucionária capaz de desfazer o que está envelhecido e enrijecido. O primeiro deles, “História das Perguntas”, é uma espécie de lenda sobre a origem das perguntas. O segundo, “Carta do Subcomandante Insurgente Marcos a Eduardo Galeano”, traz um relato sobre o Dia das Crianças em um território zapatista, e o terceiro, “Os diabos do Novo Século”, acompanha o dia a dia de um grupo de crianças que viveram o movimento inspirado na luta de Emiliano Zapata contra o regime autocrático de Porfirio Díaz que encadeou a Revolução Mexicana em 1910. Todos os textos têm uma postura política muito clara e extremamente libertária.   

Trechos do romance "Por que a criança cozinha na Polenta", da romena Aglaja Veteranyi compõem o volume: autobiográfico, acompanha o olhar de uma jovem sobre sua família circense. Temas como as turnês insanas e os abusos sexuais permeiam a narrativa. A autora, que pôs fim à sua vida em 2002, é filha de artistas de circo e passou a infância viajando com a trupe circense pela Europa, África e América Latina, inclusive pelo Brasil.

Entre os poemas, a variação é também ampla. Há uma série intitulada “Crianças kids”, de Angélica Freitas, com textos que tratam a infância de modo corrosivo e crítico, retratando não exatamente a infância do autor, mas problematizando o que é a infância hoje no Brasil e suas implicações políticas. Em “Lekh Lekho”, um longo poema de Simkha Bunim Shayevitch, escrito em iídiche e publicado de modo bilíngue na revista, a infância é negada pela violenta vivência em um campo de concentração nazista. Há, ainda, a infância como entrega a um amor oceânico, retratada no poema “29.” de Bruna Beber ou como na época na qual vivemos as nossas primeiras intensas transformações, representada nos poemas de Fabiano Calixto.

Sobre a Edições Chão da Feira

Criada em 2011, a pequena editora de Belo Horizonte é composta por quatro mulheres: Cecília Rocha, Júlia de Carvalho Hansen, Luísa Rabello e Maria Carolina Fenati. Com 14 livros no catálogo, publicam sobretudo ensaios, filosofia, poesia, prosa e fotografia. Entre os projetos de destaque está a coleção de ensaios Caderno de Leituras, disponível no site da editora, e a Revista Gratuita, com três volumes editados: “Cartas para todos e para ninguém”, “Atlas” e “Infância”. Os dois primeiros volumes, que ultrapassaram as 300 páginas cada um, trouxeram obras de brasileiros e portugueses como Victor Heringer, Maria Filomena Molder, Carlos Trovão, Miguel Cardoso, Reuben da Rocha, Patrícia Lino e Marcos Siscar, assim como traduções para textos de Paul Celan, Pablo Palacio, Maria Sabina, Hisayasu Nakagawa, Juan José Saer, entre muitos outros textos impactantes.

Sobre as editoras:

Maria Carolina Fenati (Belo Horizonte, 1982) é editora e terapeuta. Formou-se em História na Universidade Federal de Minas Gerais, fez mestrado e doutorado na Universidade Nova de Lisboa. Criou as Edições Chão da Feira em dezembro de 2011, é editora da coleção Caderno de Leituras e da revista Gratuita e trabalha na edição dos livros. Nos últimos anos, após estudar terapias com plantas, suas investigações concentraram-se nas relações entre literatura e medicina.

Júlia de Carvalho Hansen (São Paulo, 1984) é poeta e astróloga. Tem livros publicados no Brasil e em Portugal, sendo o mais recente deles "Seiva veneno ou fruto" (Chão da Feira, 2016). É formada em Letras pela Universidade de São Paulo, mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa e é uma das editoras da Chão da Feira.

Luísa Rabello (Belo Horizonte, 1985) é artista gráfica e editora das Edições Chão da Feira. Graduada em Artes Visuais/Gravura pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008), com ênfase em Artes Combinadas pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (2007). Autora do livro de fotografias “Entrar e sair” (Chão da Feira, 2013), trabalha na criação gráfica, produção e coordenação editorial de livros, coleções e catálogos.

Ficha técnica
Organização: Maria Carolina Fenati
Coordenação editorial: Luísa Rabello, Maria Carolina Fenati
Editorial de prosa: Maria Carolina Fenati
Editorial de poesia: Júlia de Carvalho Hansen
Capa e projeto gráfico: Luísa Rabello, Clarice G. Lacerda
Revisão: Bernardo Romagnoli Bethônico

 

Foto: Marcelo Castro

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