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A Coluna “Palavra Livre”, de Marcos Fabrício, com título de “Direitos em conflito"

Debate sobre as relações entre o Estado e os indivíduos ou empresas, dentro dos princípios fundamentais da ética, da moral, da responsabilidade sobre direitos e deveres.

Cada pessoa é um olhar lançado ao mundo e um objeto visível ao olhar do mundo. Cada corpo dispõe de um jeito de olhar que lhe é próprio e essa particularidade condiciona também sua visibilidade como corpo diferente dos outros. O olhar, que é a relação privilegiada na filosofia reflexiva, é educado por Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) para equivaler às outras experiências sensoriais, e estas ao pensamento, numa integração total e harmoniosa do sujeito com o objeto. A representação do objeto deve desaparecer, para Caeiro, em proveito de uma cognição direta e sensorial: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la/E comer um fruto é saber-lhe o sentido”. Mais do que praticar um olhar objetivo, Caeiro busca um tipo de olhar que desfaça a distinção sujeito-objeto, que integre o que apreende com o que é apreendido.

Na filosofia cartesiana, o sensível foi reduzido à constituição do cogito, do seu poder de julgar e decidir sobre aquilo que está em seu horizonte. Assim, o sensível é tão somente aquilo que o cogito pode inferir sobre ele. Em Merleau-Ponty (1908-1961), no entanto, encontramos uma filosofia que tem por característica a primazia do mundo sensível. Na Fenomenologia da percepção (1945), Merleau-Ponty se ocupa em mostrar como o corpo é, na verdade, o meio pelo qual nós existimos, é a condição para que nossa existência se configure tal como ela é, ou seja, encarnada no mundo. Nossos projetos, enquanto sujeitos, somente são possíveis porque estamos interligados no mundo pelo corpo. Mas qual, afinal, o estatuto desse corpo?

No capítulo intitulado “O corpo”, da obra supracitada, o filósofo analisa a maneira como as abordagens clássicas conceberam o corpo. Por um lado, a psicologia clássica, seguindo um viés intelectualista, outorgou ao corpo um estatuto de objeto da consciência; a fisiologia, por outro lado, deu ao corpo uma leitura mecânica, fazendo dele mero objeto regido por leis causais. Como sabemos, para as análises que se apoiam numa lógica do cogito, não há ambiguidade no corpo, precisamente por ele ser reduzido apenas sob uma determinada perspectiva, mais exatamente a do corpo como objeto. Ele só se torna ambíguo “na experiência que temos dele” (Merleau-Ponty). Mas porque é na experiência que a ambiguidade se revela?

James Joyce (1882-1941), autor de Um retrato do artista quando jovem (1916), abre caminho: “O feitiço de braços e de vozes; os brancos braços das estradas; as suas promessas de íntimos abraços. E os negros braços dos navios imensos erguendo de encontro à lua sua narrativa de distantes nações. Estão erguidos para dizerem: — ‘Estamos sós. — Vem’. E as vozes dizem com eles: — ‘Somos teus parentes’. E o ar é denso com a companhia deles a me chamarem seu parente, prontos já para se irem, sacudindo as velas da sua exultante e terrível mocidade”. As dimensões verticais e horizontais que marcam as relações humanas encontram vício autoritário e virtude democrática ao longo dos desejos e das necessidades nelas envolvidas. Como ideal, imagina-se a harmonia social como combinação dos contrastes individuais. Para que o concerto encontre afinação e sucesso, ensaios e apresentações são necessários para consertar o que há de problema ou deslize.

No Direito Internacional Público, por exemplo, explica o jurista e magistrado Francisco Rezek:

“As relações entre o Estado e os indivíduos ou empresas fazem com que toda ordem jurídica interna seja marcada pela ideia da subordinação. Esse quadro não encontra paralelo na ordem internacional, onde a coordenação é o princípio que preside a convivência organizada de tantas soberanias”. Não por acaso, o Direito Internacional Público é também conhecido como “direito das gentes”. Respeita, nesse contexto, a autonomia das partes que compõem o todo, cabendo o alerta dado por Rezek, em seu livro Direito Internacional Público: curso elementar: “Os povos – assim compreendidas as comunidades nacionais, e acaso, ao sabor da história, conjuntos ou frações de tais comunidades – propendem, naturalmente, à autodeterminação. Organizam-se, tão cedo quanto podem, sob a forma de Estados, e ingressam numa comunidade internacional carente de estrutura centralizada”.

Considerando a realidade em questão, há de se pensar numa formação básica e universal que instrumentalize a sociedade para novas formas de convivências e para a construção de novas identidades, pelas quais perpassam os princípios fundamentais da ética, da moral, da responsabilidade sobre direitos e deveres, do compromisso para com o outro e, principalmente, os princípios que preconizam sadias e saudáveis relações interpessoais. A área do Direito, logo, exerce papel de extrema relevância e significado. Seu compromisso principal de promover a justiça, em torno dos direitos e da dignidade humana e da promoção efetiva da cidadania, exige que se volte para novas formas de resolução de conflitos e, da mesma forma, para questões pluri e multiculturais.

Muito se tem discutido entre nós sobre os limites de liberdade de imprensa e da liberdade artística em relação aos direitos de personalidade, especialmente em relação ao direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. Afirma-se, muitas vezes de forma categórica, que, tendo a Constituição estabelecido a proibição de censura, não poderia a autoridade pública, no caso, órgão do Poder Judiciário, intervir para evitar a divulgação de notícias ou obra artística lesiva aos direitos de personalidade de qualquer cidadão. Sustenta-se que, nesse caso, eventual abuso haveria de resolver-se em perdas e danos. Neste debate em específico, assim nos posicionamos: liberdade sem censura. Responsabilidade argumentativa é um valor muito importante. Nenhum poder da destruição pode calar o saber da criação.

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

* Professor nas Faculdades Promove de Sete Lagoas (2005-2009), Fortium (2013) e JK (2013-2020). Jornalista, formado pelo UniCEUB. Poeta. Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG.

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Foto: Divulgação

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