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"Ondas de onde parto" traz solo da atriz Mariana Rabelo, no Teatro da Assembleia, com olhar sincero sobre os desafios da maternidade

Com temporada de 07 a 22 de abril, espetáculo mergulha em dramaturgia com recortes autobiográficos e narrativas de mães, explorando linguagens artísticas diversas no palco, como dança-teatro e o pole dance

O Teatro da Assembleia, no bairro Santo Agostinho, recebe de 07 a 22 de abril temporada do espetáculo "Ondas de onde parto", solo da atriz Mariana Rabelo. As apresentações acontecem de sexta a domingo. No último fim de semana, o sábado (21) contará com sessão extra às 16h, especialmente para mães com bebês de colo, com valor especial de R$ 10. As demais sessões terão valor de R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), com vendas online pelo site Sympla.

“Ondas de onde parto” tem direção de Fernando Barcellos, que assim como Mariana Rabelo integra o coletivo Sala Vazia. Experiências anteriores no grupo gestaram um trabalho que mescla recortes autobiográficos e narrativas de outras mulheres. Para tal, convidaram a construir o texto do espetáculo a dramaturga Letícia Andrade, que já assinou trabalhos como "Medeiazonamorta" (do Grupo Teatro Invertido). Juntos, eles tecem um espetáculo de linguagem artística sensível e envolvente sobre momentos da maternidade, como o parto, a amamentação e a criação.

Cantos e cartas da maternidade

"Na verdade o espetáculo é muito mais um desabafo, uma confidência, onde eu falo para as pessoas: sabe aquela maternidade de comercial de margarina? Pois é, não existe. O buraco é bem mais embaixo. As mães se identificam e costumam rir e chorar junto comigo durante a peça. E as pessoas que não têm filhos percebem um pouco mais desse nosso mundo materno, a não idealizar ou romantizar as mães e a maternidade em si", conta Mariana Rabelo, atriz e mãe-solo.

No palco, ela recebe a plateia com flores para um relato franco, e por isso forte e sensível. A primeira a ser lembrada é a mãe Yemanjá. "Dona Janaína esteve comigo desde a primeira contração. Foi para ela que eu cantei quando tudo começou. Quando meu ventre começou a latejar. Eu cantei doído, e a cada contração, eu evocava o seu rito e a força de suas águas, tal como quando ela transformou seus filhos em peixes para que não se afogassem."

Com envelopes espalhados aos seus pés, a mãe-atriz passa a narrar cartas que desfiam o caminho árduo percorrido pela maternidade. Primeiro, à própria filha: "Amada Celeste, é primavera, nossa hora está chegando e escrevo-te porque te amo, mas também é preciso deixar essa marca, escrevo-te neste instante pois cada palavra deve ser latejada, guardada, costurada em nossas peles, tal qual a primeira mancha rubra derramada em nosso lençol gasto de tanta espera."

As cartas seguintes são direcionadas ao médico responsável pelo parto e à mãe. "Mãe, é muito doido, mas você já sabe. De noite, de dia, seu corpo não é mais seu, sua mama que antes você achava sexy ou tabu, agora é livre, dessacralizada, e fonte de alimentação vitalícia."

Pole dance e espetáculo político

O bom-humor sempre dá as caras nos relatos. E junto à evocação pontual de cantos, o palco ganha outro elemento cênico atípico e potente. Num pole dance, a atriz narra, de forma mesmo divertida, o périplo do parto. "Respira, inspira, respira. Rebola, inspira, respira. Eu só queria ficar pelada, eu queria gelo, muito gelo, uma banheira inteira de gelo para eu me congelar de uma vez nessa dor funda."

"O pole é uma paixão que desenvolvi depois que me tornei mãe. Aí quis juntar as duas coisas, os dois amores (o pole e a maternidade). Ele é ao mesmo tempo meu parceiro de cena e pedaço da história. Já imaginou alguém contando como foi um parto no pole dance? É isso que eu faço, entre outras coisas. O pole representa muitas coisas durante o espetáculo", explica a atriz, que igualmente explora seu viés de atriz-palhaça.

"Ondas de onde parto" fala diretamente nos olhos da plateia, com cartas às mulheres, mães em suas vigílias e mesmo aos homens. O espetáculo é fortemente político, não por levantar bandeiras ou defender panfletos, mas por escancarar um lado alternativo da maternidade, em que a solidão, o desespero e o desgaste provocam transformações irreversíveis na mulher, nos levando a refletir sobre questões como o machismo e o lugar que a mulher ocupa ainda hoje em nossa sociedade.

"O parto é ao mesmo tempo nascimento e morte. Nasce uma criança, nasce uma mãe, e morre a mulher que existia antes em você. Você troca de alma, e isso dói."

Outro momento de grande envolvimento é a participação de músicos do carnaval de rua de Belo Horizonte, evocando o canto como luta e catarse da entrega física e espiritual da maternidade.

Acolhimento às mães

Apesar de destinado a todos os públicos a partir de 16 anos, o espetáculo naturalmente desenvolve relação de forte cumplicidade e troca com as mães. E para isso, a temporada contará com sessão voltada a mulheres com bebês, no dia 21 de abril (sábado), às 16h. A ideia, assim como ocorre em projetos de cinema, é receber as mães para que desfrutem do espetáculo com total liberdade e acolhimento nesse momento que requer cuidados especiais e compreensão. A sessão terá valor especial de R$ 10 a todas as mães. Nas artes, no palco, nos corpos e na plateia, a maternidade pulsa em seu caráter social e político.

Processo de criação

O espetáculo, que estreou em novembro de 2017 na quinta edição da Mostra BH In Solos, surgiu a partir da mobilização de três artistas belo-horizontinos - Fernando Barcellos, Mariana Rabelo e Letícia Castilho, que integram o Coletivo Sala Vazia. A proposta do grupo é trabalhar solos com concepção e direção coletiva, incorporando as linguagens do teatro, da dança e do circo em pesquisas autobiográficas e narrativas de si.

Mãe solo, Rabelo apresentou ao coletivo o desejo de construir um espetáculo que abordasse a temática da maternidade, e que pudesse tocar de forma mais profunda em questões recorrentes, mas que destoam da imagem utópica materna. Para além da “maternidade de comercial de margarina”, interessa à atriz temas como as transformações radicais e dolorosas (de corpo e de alma) que a mulher sofre no processo de tornar-se mãe, o abandono masculino em etapas cruciais deste processo, e os momentos de rejeição que podem existir por um ser que a mulher nem conhece, mas já ama.

Paralelamente ao âmbito temático, Rabelo, que a partir do início de 2017 se aproximou da técnica do pole dance, ansiava construir uma linguagem em que as belezas e durezas da maternidade pudessem estar relacionadas com a técnica do pole dance. Em um dos ensaios, o coletivo decidiu experimentar uma proposta em que Rabelo relatasse o seu parto ao mesmo tempo em que “dançasse” no aparelho. Tal proposta veio a gerar a micropeça “Ponto do Prazer”, dirigida por Letícia Castilho e Fernando Barcellos, apresentada no La Movida Microteatro em maio de 2017.

A potência da micropeça levou o coletivo a desdobrar o processo, que seguiu dirigido unicamente por Barcellos, culminando no espetáculo “Ondas de onde parto”. Para compor a equipe de criação, Barcellos e Rabelo entenderam que fazia-se necessária a presença de uma dramaturga, mulher, mãe, para que as questões abordadas pudessem ser potencializadas. Entrou em cena então Letícia Andrade, celebrada dramaturga mineira que assina a autoria de obras relevantes para a cena teatral da cidade, tais como Medeiazonamorta (do Grupo Teatro Invertido) e Cara Preta (da Maldita Cia. de Investigação Teatral, companhia na qual Barcellos atuou ente 2013 e 2015). Andrade estruturou uma proposta dramatúrgica em que a atriz tece, através de cartas, diferentes pontos de vista acerca de momentos da maternidade, tais como o parto, a primeira amamentação, o puerpério e as vigílias maternas.

Professores de duas universidades federais em cidades diferentes (Barcellos é professor do bacharelado em dança da Universidade Federal de Uberlândia e Andrade é professora do curso de teatro da Universidade Federal de Ouro Preto), a equipe desdobrou-se entre as três cidades, trabalhando no formato de residências periódicas que ora ocorreram em Belo Horizonte, ora em Uberlândia. No cenário artístico atual, em que recursos financeiros para a cultura estão sendo cortados e a classe artística tem sido perseguida e censurada em sua prática, o coletivo entende que criar é resistir, e que tais estratégias de desdobramento, inclusive geográfico, refletem a urgência dos artistas em criar mecanismos de resistência para o seu fazer.

Sinopse

Uma mulher é uma árvore que gera frutos e raízes fortes ancestrais, ao mesmo tempo, cria ciclos perenes, como as ondas latentes, que morrem quando chegam em terra firme. Uma atuante narra, através de cartas e de seu corpo poético aéreo em desequilíbrio, a trajetória intimista de espera da criança em seu ventre, até o parto, e às mudanças de sua identidade, com a chegada da nova vida. Ela se lança ao abismo e festeja o encontro da mulher que nasce dentro mulher que morre.

Sobre a atriz

Mariana Rabelo é atriz, palhaça e artista circense, graduada em Artes Cênicas pela UFMG e pós-graduada em Teatro pela UniRio.

Sobre o diretor

Fernando Barcellos é um artista da cena, que opera entre a dança, o teatro e a performance. Mestre em arte pela UFMG, é professor de técnica e criação em dança do curso de bacharelado em dança da Universidade Federal de Uberlândia.

Foto:Marco Aurélio Prates

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