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Cia AFETA apresenta “Talvez eu me despeça”, em homenagem à atriz Cecília Bizzotto

Com direção de Ludmilla Ramalho, a atriz Beatriz França se despede em cena da amiga ausente, dialogando com a linguagem do teatro documentário

Segue até o dia 31 de agosto o novo espetáculo da Cia Afeta. Com temporada de quinta a domingo na Funarte, "Talvez eu me despeça" tem como fio condutor a ausência da atriz Cecília Bizzotto, assassinada em 2012, durante um assalto. No palco, Beatriz França tece uma homenagem à amiga, através de um trabalho que adentra essa memória e leva à reflexão sobre a finitude das relações humanas, a impossibilidade de se despedir, a solidão e o risco que permeia a arte e a vida.

 

Com direção de Ludmilla Ramalho, a proposta traz em cena uma inusitada festa de despedida, na qual Bião, assim como era chamada pela amiga e companheira de palco, convida o público a encarar o equilíbrio frágil da vida, compartilhando lembranças que emergem de objetos, fotos, vídeos, mímeses corporais, cartas de familiares e amigos próximos de Cecília (ou Ciça, como era chamada pelos amigos). Montado no Galpão 3 da Funarte, o trabalho inicialmente se apresenta como uma instalação imersiva, criada por Ana Luisa Santos, composta por uma pequena exposição que  acolhe diversos objetos-memória, confeccionados por artistas e amigos de Ciça. Compõe a cena também uma máquina de lavar, com centenas de peças de roupas, acumuladas ao seu redor e espalhadas pelo palco e plateia, que trazem rastros de história, memória, afeto - uma forma de dizer que, apesar da morte, a vida segue, as roupas se acumulam e uma hora precisam ser levadas. As peças foram adquiridas em brechós ou doadas por amigos próximos.

           

Teatro documentário e multilinguagens

 

"São cinco e meia da manhã. Desmaio na cama. Meia hora depois, meu telefone começa a tocar sem parar. Quando acordo, há várias ligações não atendidas e um susto no peito. Dois anos depois daquela madrugada, volto à cena para lembrar de uma amiga que não pôde se despedir."

 

A atriz Cecília Bizzotto foi assassinada em outubro de 2012, durante um assalto, a sua residência no bairro Santa Lúcia, em Belo Horizonte. A morte brutal causou grande comoção no meio artístico - além de muito querida, Cecília era envolvida em causas sociais, no ensino do teatro e no respeito às diferenças.

 

Mas a homenagem não ganha linearidade no trabalho, propondo um mergulho de fragmentos poéticos, a partir da situação trágica. A Cia Afeta lança mão de referências do teatro documentário, experiência muito presente na cena contemporânea, e pesquisa o uso da realidade no teatro a partir de situações vividas pelos próprios atores. No caso de "Talvez eu me despeça", a performance leva a um desnudamento, no qual tudo que acontece em cena é real e traduzido em pequenos rituais festivos - afinal, a vida continua.

 

A dramaturgia também faz referências a visões ampliadas sobre a finitude das relações humanas que surgem no existencialismo da poesia de Shakespeare (1564-1616), assim como em aspectos da filosofia budista que se fazem presentes na obra do grego NikosKazantzakis (1883-1957). O universo shakespeariano permeia a história real de Cecília e Beatriz, que tiveram a amizade e projetos interrompidos. Depois de terem se dedicado por quase 10 anos à Companhia Lúdica dos Atores, grupo que pesquisava a obra de William Shakespeare, elas tinham artisticamente o desejo de experimentar novas possibilidades dentro da performance e do audiovisual - queriam se arriscar. Ambas já haviam encarnado no palco Ofélia, personagem de "Hamlet" que carrega a ideia de alguém que se arrisca, vai contra toda uma sociedade hierarquizada e cristã, e comete um suicídio, algo transgressor para a época e talvez ainda para os dias de hoje. Em "Talvez eu me despeça", a analogia poética de Ofélia reaparece: ao ousar ligar para a polícia na frente do ladrão, estaria Cecília vivendo uma grande cena?

 

"O tiro. Ela não morreu de tiro. Morreu de susto. Ela, sozinha, e uma arma diante dela. Quando ela viu a bala saindo da arma, e ela entendeu que seria ali, ela pensou em tanta coisa. Pensou em tanta coisa que ela morreu de susto. Susto no peito. E o grito dela era a alma saindo, e se espalhando por aí. Quando a bala entrou, ela nem sentiu. Ela já não estava mais lá. Tinha saído. Sem se despedir."

 

 

Montagem e multilinguagens

A construção do espetáculo, que ganhou novos caminhos com um processo que incluiu pesquisas da dança-teatro, da música experimental e do teatro-físico, leva a essa busca de interseções entre vida, teatro, performance, instalação e documentário. "Foi preciso cuidado e muito afeto para adentrar em um tema que era forte para toda equipe: a morte, e agora a ausência, de uma grande amiga: Ciça Bizzoto. Talvez um dos grandes desafios desse trabalho é falar de algo que nos toca tanto individualmente, sem deixar de universalizar a obra", define a diretora Ludmilla Ramalho.

 

De forma geral, a montagem foi concebida com a escolha de profissionais que tiveram envolvimento afetivo com o episódio ou que carregam características de trabalho que ampliam essa discussão, como Christina Fornaciari (direção de movimento) eCarlosmagno Rodrigues (criação de imagens eletrônicas), ambos amigos de Ciça, além da dramaturgia política e poética de Daniel Toledo e da trilha sonora experimental de Barulhista e de Patrícia Bizzotto.

 

O espetáculo alcança outras possibilidades de encenação com o uso do vídeo mapping, ferramenta já utilizada pela companhia em outras produções. Com esse recurso, enquanto a atriz/performer está em cena, vídeos criados pelo artistaCarlosmagno Rodrigues são projetados na instalação-cenográfica, apontando lembranças e pensamentos da atriz Beatriz França, tornando o trabalho rico nos diálogos das multilinguagens.

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