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Tensões existencialistas são utilizadas por EDER SANTOS em ESTADO DE SÍTIO, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard

“Quem visita nossa terra, ou vai mergulhar em água fria ou se tingir de minério, de poeira vermelha”. A frase do multiartista Eder Santos é um convite à mineiridade que ele bem sabe traduzir em arte-tecnologia, sem deixar de lado o tom crítico ou a poesia. Estado de Sítio é mais do que um chamado à reflexão sobre o estado de exceção sugerido pelo nome. As seis obras (quatro inéditas) passeiam – com suporte tecnológico utilizado como pincel – pelo barroco, a religiosidade, o desejo e a culpa, pelo corpo-produto-sexualizado do homem contemporâneo, pelas tensões sociopolíticas da atualidade, sem, claro, deixar de lado o cinema e o vídeo, que acompanham o artista desde a infância.

Abre a mostra a instalação Cascade. Em cena, uma cascata de televisões jorra imagens criadas por Eder em parceria com o também videoartista Leandro Aragão. “Alguns ícones imagéticos aos poucos vão desaparecendo, mas ainda são comuns à nossa Minas Gerais cheia de montanhas e cachoeiras. É do Quadrilátero Ferrífero onde está nossa Belo Horizonte que a paisagem jorra água-minério-cascalho-cascata-cascade”, poetiza Eder Santos. 

Para o mineiro de 56 anos que ganhou o mundo a partir dos anos 1980 com vídeos que se aproveitavam dos ruídos e imperfeições inerentes ao formato, inaugurando texturas e técnicas que hoje podem ser obtidas com uma tecla do computador, “o cinema perdeu a película, cinema digital não é a mesma coisa, é uma imagem complementar”. Mas a mudança da película para o digital não representa necessariamente uma perda na opinião do artista: “Hoje, a imagem digital é um ruído em tudo, na nossa vida, na política. Mais do que nunca, a imagem está aí, a toda hora, o tempo todo, mais presente do que nunca. Devemos muito de nossa conjuntura atual à imagem digital, à televisão, à internet”, afirma.

Crítica à atualidade, que Eder Santos classifica como momento caótico, em que as garantias individuais e constitucionais vêm sendo sutilmente confiscadas, Estado de Sítio se atém também a questões humanas, de uma sociedade prisioneira da tecnologia que se apresenta como libertadora.

A instalação que batiza a exposição, Estado de Sítio mostra o banho de um homem a partir de imagens projetadas em um monólito de vidro. Em cena, o ser exibido, narciso, que assiste ao seu reflexo estremecer no espelho d’água, no monólito que continuamente recebe e repele o reflexo nu. “Mesmo despido, o sujeito esconde-se dentro do próprio corpo”, avisa Eder, para quem o corpo busca no reflexo da vitrine uma compensação para qualquer deficiência moral. 

Santos homens - Todos os Santos é uma série na qual o artista cria, à sua maneira, representações de santos e santas com o compromisso de atravessar as fronteiras das religiões em um gesto genuinamente popular. Eder avança por sobre o sincretismo religioso mineiro para fazer provocações e homenagens. São Sebastião (encenado por Daniel Viana), por exemplo, está amarrado em um tronco e tem o sexo ora coberto, ora descoberto em meio a efeitos visuais. A obra é, segundo Eder, homenagem aos homossexuais “que, muitas vezes, por esconder sua opção sexual, padecem também como santos”. As imagens estão abrigadas dentro de redomas de vidro onde são projetadas as imagens criadas pelo artista.

A religião está presente ainda em A Casa dos Sinais Flutuantes, espécie de visão pós-moderna do conceito das casas de Ex-Votos, espaços das igrejas onde os devotos pagam promessas e/ou agradecem as graças alcançadas. Normalmente, esse agradecimento é acompanhado de uma réplica da parte do corpo beneficiada, como a escultura de uma perna ou até mesmo raios-x. Eder Santos utiliza os negatoscópios, equipamentos que permitem médicos lerem os raios-x do corpo humano, para sobrepor aos raios-x de imagens que revelam o sentimento religioso, a culpa e o desejo. Religiosidade é, na visão do artista, potente instrumento para refletir sobre a humanidade. “A questão religiosa, nesse lugar em que vivemos, é fortíssima. Minas é um estado muito religioso, muito barroco, e crescemos no meio de disso. É um sentimento muito forte, vem desde a infância e muitas vezes nem o percebemos”.

Integram a exposição litogravuras, inéditas, do artista e ainda a videoinstalação (não inédita) Distorções Contidas, que faz alusão a uma das principais obras de Marcel Duchamp, O Grande Vidro. Eder Santos projeta, em duas janelas feitas com lâminas de vidro, imagens fragmentadas de uma mulher e de um homem nus descendo uma escada. 

Tela grande – As transformações da linguagem cinematográfica são questionadas por Eder Santos na obra Cinema, grande projeção que imita uma sala de cinema. Durante a mostra, uma tela no final da Grande Galeria exibirá continuamente dois filmes: Cinema (2009) e Pilgimage (2010). Em Cinema, o diretor apresenta cenas triviais de uma cidade pequena do interior de Minas através de seu olhar poético sobre o mundo. Interferências sutis, imagens que saem de foco e diferentes velocidades de transição remetem ao tempo que passa. O curta participou em 2010 do International Short Film Festival Oberhausen, na Alemanha, e do International Film Festival Rotterdam, na Holanda.

Pilgrimage traz um olhar poético e rigoroso sobre o percurso do minério de ferro, da extração da matéria-prima nas minas ao deslocamento do ferro até o mar, de onde segue de navio para o exterior. A palavra “peregrinação” designa jornadas de depuração espiritual. No vídeo, é o minério de ferro que realiza uma jornada de transformação física e depuração de propriedades químicas. A partir desse processo, o trabalho convida a refletir sobre a relação entre natureza e cultura, bem como entre trabalho, indústria e mercado.

Em sua própria peregrinação pelo mundo das artes, Eder Santos mantém firme a proposta de envolver as pessoas em um mundo de ideias e reflexões, sempre questionando o momento em que vivemos. Além de colocar a tecnologia a serviço da arte, o artista não abre mão da delicadeza, mesmo na abordagem de temas impactantes. O peso de imagens que provocam é contrabalançado por fina e irônica poesia.

 

Foto: Divulgação

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