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FCS encerra programação anual do Cine Humberto Mauro com filmografia completa de GLAUBER ROCHA

Todas as sessões da mostra serão gratuitas e comentadas, com destaque para as sessões diálogo / curso com o crítico e pesquisador Matheus Araújo

Glauber Rocha foi um artista incontornável. Principal nome do Cinema Novo brasileiro, o diretor é destaque da programação de dezembro do Cine Humberto Mauro, que promete 17 dias intensos: com todas as sessões comentadas na mostra Glauber Rocha – Kynoperzpektyva 18. Trata-se de um importante mergulho no universo do cineasta cuja filmografia promove discussões sobre as questões sociais, políticas e culturais do país. Além de 17 longas e curtas produzidos pelo cineasta, a mostra contará com a exibição de seis sessões estrangeiras que dialogam com as obras de Glauber. As sessões encerram o ciclo de quatro anos (2015-2018) da atual gestão da Fundação Clóvis Salgado e celebram os 40 anos de Cine Humberto Mauro, fechando a programação anual do cinema.

O planejamento da mostra é uma colaboração entre a Gerência do Cine Humberto Mauro e o pesquisador Matheus Araújo Silva, Doutor pela Escola de Comunicações e Artes da USP e pesquisador da obra de Glauber. Segundo Bruno Hilário, Gerente do CHM, a parceria surgiu a partir do desejo de promover debates enriquecedores para o público. “Os expectadores terão a oportunidade de ouvir Araújo nas sessões diálogo, nas quais o pesquisador apresentará aspectos importantes do trabalho de Glauber presentes em produções de outros cineastas. Dessa forma, além de apresentar toda a filmografia de um diretor de extrema importância para a formação da história do cinema nacional, a mostra é necessária para que o público fique atento aos diálogos propostos afirma Hilário. “É um convite para ver, rever, e refletir sobre a produção do cineasta, tão importante para a história de nosso país”.

O Brazil não conhece o Brasil – A nomenclatura Kynoperzpektyva 18 faz alusão à proposta de uma mostra dedicada a Glauber Rocha, planejada pela Cinemateca Portuguesa no período em que o diretor residia em Sintra, vila na região metropolitana de Portugal. O nome original era Kynoperzpektyva 81, devido ao ano que foi idealizada, 1981 – o mesmo da morte de Glauber. A inversão dos números coube à Gerencia do CHM, que adaptou para o ano corrente, 2018.

Recheado das letras k, y e z, a mostra Kynoperzpektyva também possuía nomes semelhantes para os quatro subconjuntos de exibições: Afrika, Brazil Arkayko, Amerika Yberyka e Brazil Unyverzal. As nomenclaturas eram uma crítica referencial ao estrangeirismo adotado pelos cineastas brasileiros nas décadas de 1970 e 1980. Na época, os modelos de produção da Chanchada, muito comuns e populares no Brasil, eram vistos como uma “cópia” da estética hollywoodiana. “Glauber, com seu desejo de enraizar as fortes questões políticas e sociais do país, tanto no conteúdo quanto na estética dos filmes, criticava fortemente essa relação intrínseca entre produções norte-americanas e nacionais”, explica Hilário. A mostra de 1981 teve início, mas foi interrompida por um incêndio que tomou a Cinemateca Portuguesa. Trinta e sete anos depois, ela será exibida pelo Cine Humberto Mauro em sessões especiais comentadas.

 

Contra a corrente – Segundo Hilário, o Cinema Novo é caracterizado pelo cinema biográfico, pelo cinema de autor, pela prática do cineclubismo, e por um amadurecimento intelectual impressionante. “Apesar de não construírem um movimento cinematográfico dogmático, as produções do Cinema Novo são engajadas e extremamente críticas. Elas refletem um clamor pela igualdade social e uma resposta à instabilidade racial e de classes no Brasil”, explica. Influenciados pelo neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa, os filmes produzidos sob a ideologia do Cinema Novo se opuseram ao cinema tradicional brasileiro – e Glauber Rocha é amplamente considerado o cineasta mais influente desse movimento, adotando a ideia de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e uma postura estética e ética sobre as imagens.

Ainda segundo Hilário, apesar da luta constante do cineasta por um cinema genuinamente nacional, Glauber foi uma eterna contradição. “Ele desejava trazer uma essência do Brasil, mas não atingia as camadas populares – a estética dos filmes ‘não vendia’. Ele retratava a violência e a precariedade do terceiro mundo, de um país colonizado, e ia na camada mais profunda entre o opressor e o oprimido. Essa ‘estética da fome’, na maioria das vezes, causava um choque nos expectadores que, por muitas vezes, não aceitavam esse retrato tão denso”, explica.

Longas jornadas pela história – A mostra conta com 17 filmes de Glauber, sendo destaque os longas Barravento (1961), na qual um homem volta na pequena aldeia de pescadores em que foi criado para tentar livrar o povo do domínio da religião;Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), clássico do cineasta indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, que narra o cotidiano sofrido de um sertanejo que, ao lado de sua esposa, é castigado pela seca e pela exploração; e Terra em Transe(1967), vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, que retrata a rotina em Eldorado, cidade fictícia na qual o poeta e jornalista Paulo Martins, à beira da morte, rememora sua participação em lutas políticas. Segundo Hilário, Terra em Transe reflete um forte pensamento sobre a América Latina, e faz um retrato, mesmo que não conclusivo e fiel, das tensões políticas desse território.

A programação continua com O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), longa que rendeu ao cineasta o prêmio de melhor diretor em Cannes. O filme é conhecido internacionalmente como “Antonio das Mortes”, nome do protagonista, e mistura de forma alegórica a literatura de cordel e a ópera, explorando os ritos folclóricos da população nordestina. Cabeças Cortadas (1970), filme no qual Glauber explora o delírio e o poder do homem, O Leão de Sete Cabeças (1970), que narra a história de união entre o guerrilheiro latino-americano Pablo e o líder negro Zumbi para libertar o continente africano dos colonizadores, e Câncer (1972), um retrato do Rio de Janeiro pelos olhos de um típico “malandro carioca”, também compõem a mostra.

Os longas continuam com História do Brasil (1974), filmado em Cuba e na Itália durante o exílio do diretor, e finalizado em Paris em 1974. O filme é definido como um “cinejornal histórico” do Brasil, e reúne trechos de obras ficcionais, documentários e fotografias, em uma interpretação dialética da vida brasileira. Claro (1975), inteiramente rodado em Roma, também mistura documentário, ensaio e performance, e estará presente na mostra juntamente com As Armas e o Povo (1975), o mais famoso filme da Revolução dos Cravos, produzido em Portugal e assinado pelo Coletivo de Trabalhadores da Atividade Cinematográfica em parceria com o diretor. As exibições ainda contam com os longas Jorjamado no Cinema (1977), A Idade da Terra (1980) ePátio (1959).

Cenas curtas de uma vida múltipla – Amazonas, Amazonas (1966), primeiro filme em cores de Glauber sobre as belezas e riquezas naturais da região Amazônica, é um dos destaques na programação de curtas da mostra. A programação ainda conta com Maranhão 66 (1966), um retrato da posse de José Sarney, então governador do Estado do Maranhão, dois anos após o Golpe Militar de 1964; 1968 (1968), documentário inacabado realizado pelo diretor ao lado do fotógrafo Affonso Beato; A vida é estranha (2015), longa com imagens em Super 8 feitas por Glauber durante uma viagem para a cidade de Essaouira, no Marrocos, editado pela artista Mossa Bildner, então namorada do diretor na época; e A Viagem Glauber (2014), filmado pelo diretor de Fermín Sales enquanto Glauber produzia Cabeças Cortadas, na Espanha.

Sessões diálogo / Curso – A mostra contará com seis sessões diálogo, nas quais um filme que dialoga com a obra de Glauber Rocha será exibido, seguido de bate-papo com a plateia comandado pelo pesquisador e crítico cinematográfico Matheus Araújo. Araújo comentará os filmes Os Ambiciosos (1959), do diretor Luis Buñuel, Que Viva México! (1979), de Sergei M. Eisenstein, A Viagem de Niklashauser (1970), de Rainer Werner Fassbinder e Michael Fengler, Humano Não Humano(1969), de Mario Schifano, O Vento do Leste (1970), de Groupe Dziga Vertov, Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin e Gérard Martin e uma sessão de curtas dirigidos por Jean Rouch.

CINE HUMBERTO MAURO

Um dos mais tradicionais cinemas de Belo Horizonte, o Cine Humberto Mauro foi inaugurado oficialmente em 15 de outubro de 1978 e seu nome homenageia um dos pioneiros do cinema brasileiro, o mineiro Humberto Mauro (1897-1983), grande realizador cinematográfico no período de 1925 a 1974. Antes de sua inauguração, as sessões de cinema do Palácio das Artes eram realizadas aos sábados e domingos, no Grande Teatro. Após inúmeras reformas e adaptações, atualmente a sala de cinema localiza-se ao lado do Café do Palácio. Com 129 lugares, sua tecnologia foi modernizada com a aquisição de equipamentos de som dolby digital e para exibição de filmes em 3D e 4K. Todas as atividades do Cine Humberto Mauro são gratuitas.

Nestes 40 anos de existência, a Fundação Clóvis Salgado tem investido na consolidação do espaço como um local de formação de novos públicos a partir de programação diversificada, bem como à criação de mecanismos de estímulo à produção audiovisual com a realização do tradicional Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte – FESTCURTASBH, e o Prêmio Estímulo ao Curta-metragem de Baixo Orçamento. Já a seleção das mostras privilegia a história de consagrados diretores como Tarkovsky, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman e Quentin Tarantino, entre outros. Gêneros distintos do cinema como terror, comédia e ficção científica, destaques da programação, também têm atraído público numeroso. Somente em 2017, mais de 70 mil pessoas frequentaram o Cine Humberto Mauro para conferir as 21 mostras exibidas.

O Cine Humberto Mauro também é um importante difusor do conhecimento ao promover cursos, seminários, debates e palestras. Sessões permanentes e comentadas também têm espaço cativo a partir das mostras Cineclube Francófono e Cinema e Psicanálise.

Foto: Divulgação

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